Carta aberta da equipe do Centro 18 de Maio

O Centro de Atendimento Integrado 18 de Maio é um serviço estruturado com o objetivo de oferecer atendimento especializado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e suas famílias, buscando evitar qualquer revitimização na rede de proteção. É um equipamento planejado e implementado de maneira intersetorial, concebido por diversos atores do Sistema de Garantia de Direitos como o Judiciário, o Ministério Público, a Universidade de Brasília, a Universidade Católica de Brasília e equipamentos da rede pública de atendimento no DF.

O Decreto Distrital nº 34.517/2013, que instituiu o Centro, definiu o órgão como responsável pelo atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Desta forma, conforme disposto no Art. 3º do Decreto, o Centro prestará atendimento inicial, “além do acompanhamento, monitoramento e avaliação das medidas protetivas e/ou de responsabilização e adoção de possíveis medidas urgentes de prevenção de riscos e de agravos à saúde, com ações de:

I– atendimento integrado oferecido pelos órgãos e entes da Administração Pública direta ou indireta do Distrito Federal, inclusive em articulação com a sociedade civil organizada, a fim de potencializar os recursos e nortear os procedimentos que propiciem eficiência no serviço prestado;

II- atendimento acolhedor, diferenciado, rápido e assertivo, em um único local;

III- redução do lapso temporal entre a notificação e a efetiva proteção da vítima;

IV– redução do lapso temporal entre a notificação e as medidas de responsabilização do agressor;

V– acompanhamento da criança ou do adolescente e sua família nos atendimentos psicossociais especializados;

VI– planejamento, coleta e organização de dados, de forma a alimentar e manter um banco de dados, bem como a divulgação de informações estatísticas sobre o ato ilícito definido como violência sexual e sobre os atendimentos realizados pelo Centro e pela rede de proteção e promoção social do Distrito Federal.

VII– fortalecimento do Sistema de Proteção e Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente junto à sociedade do Distrito Federal”.

Nesse sentido, o serviço atua desde 2016 e já atendeu mais de 3.000 crianças e adolescentes, além dos familiares, que foram inseridos na rede de proteção e, não raro, tiveram o contexto de vulnerabilidade mitigado ou mesmo superado. Porém, alguns movimentos tem enfraquecido este serviço tão importante para a sociedade e preocupam a equipe do Centro. São eles:

1- A dificuldade para construção de ações que possam compor a agenda da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) na mobilização pelo enfrentamento à violência sexual, notadamente de crianças e adolescentes, tendo como exemplo a inexistência de uma agenda própria no mês de maior visibilidade para o tema, apesar das diversas propostas apresentadas pelo Centro ao longo dos anos.

2- A entrega de Moção de Louvor pelo trabalho no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes a servidores de diversos setores da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania, excluindo qualquer representação do trabalho realizado por este Centro.

3- O apagamento do Centro no nível gestor central que, desde 2019, diminuiu a estrutura administrativa do equipamento para apenas um cargo de coordenação, composição insuficiente para exercer as diretrizes dispostas no Decreto Distrital nº 34.517/2013.

4- Desvalorização do serviço, por pagar às servidoras Gratificação de Atividade de Risco (GAR) de 5% referente à atuação em área meio e não de 20%, compatível ao exercício em área fim, apesar dos esforços continuados desta equipe em sensibilizar os gestores acerca da discrepância na remuneração.

5- Exoneração da coordenação em plena semana do 18 de maio, o que traz prejuízos para a continuidade das ações desenvolvidas.

Portanto, as servidoras que desempenham suas funções nesta unidade expressam sua preocupação frente ao descaso com o trabalho realizado pelo Centro e com a condução da política de enfrentamento à violência sexual no DF. Consequentemente, solicitamos:

a) Fortalecimento do trabalho desenvolvido pelo Centro.

b) Recomposição da estrutura de cargos do Centro, permitindo que a unidade desempenhe plenamente as competências e atribuições.

c) Suporte das autoridades competentes na interlocução com a Sejus para que o DF se adeque às normativas vigentes e otimize o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.

d) GAR de 20%.

A equipe do Centro está sempre à disposição para dialogar sobre a construção de alternativas que visem a melhoria do trabalho para otimizar o atendimento à população do DF. Assim, esta carta tem por objetivo explanar tal preocupação e solicitar apoio de todos os atores para que se garanta a proteção integral de crianças e adolescentes.

Atenciosamente,

Equipe do Centro de Atendimento Integrado 18 de Maio

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Um contrato para mulheres

O Dia Internacional da Mulher não deve ser comemoração piegas. A data é sobretudo um reconhecimento da mulher como sujeita de direitos, a quem foi forçada uma injusta posição na divisão sexual do trabalho. No Brasil a participação feminina em cargos de destaque na política aumentou, independente de ideologia. Tal acontecimento foi fortalecido por uma militância de movimentos sociais e até mesmo de jornalistas que reivindicam mais espaço. Embora separadas pela classe social, o que torna a sem terra quase sempre em trincheira oposta à da âncora do Jornal Nacional, o vetor resultante dessas lutas é uma abertura do debate de temas caros aos grandes grupos de comunicação, chefiados por homens brancos conservadores.

No SBT Silvio Santos ainda dá as cartas e, quando não der, alguma das seis filhas assumirá o comando. Isso só ocorrerá porque o “rei” não teve herdeiro homem, ao contrário de Roberto Marinho que teve quatro filhos, todos do sexo masculino. Na Bandeirantes a família Saad, de descendência libanesa, não pretende colocar um salto alto no andar mais alto do prédio e a Record, bem, dispensa apresentações. Basta saber que o bispo Edir Macedo disse que as mulheres não podem ter mais estudo que o marido, proibindo as próprias filhas de cursarem faculdade. Daí vem: se mulher não pode chefiar a própria família, imagina uma rede de televisão?

Calma, nem tudo é o inferno das grandes emissoras de TV – e muito menos a família do mandatário da Universal! No meio esportivo temos mulheres que se destacaram presidindo grandes clubes de futebol, nossa maior paixão e também reduto de machismo. São elas Patrícia Amorim no Flamengo (2010 – 2012) e Leila Pereira, atual presidente do Palmeiras. Após 92 anos de Copa do Mundo, pela primeira vez a FIFA colocou em campo uma mulher como árbitra, a francesa Stéphanie Frappart. A transmissão de jogos femininos em TV aberta e a abertura de espaço para meninas em escolas de futebol sinalizam bons tempos.

Mas se engana quem pensa que o machismo acabou. Vejamos o que era exigido para se trabalhar como professora na cidade de São Paulo no ano de 1923. E não, as exigências que você vai ler agora não são fake news ou uma piada do site Sensacionalista. Segue:

1- Não casar.
2- Não andar na companhia de homens.
3- Ficar em casa entre 20h e 6h, a não ser para atender função escolar.
4- Não passar pelas sorveterias do centro da cidade.
5- Não sair da cidade sem a permissão do presidente do Conselho de Delegados.
6- Não fumar cigarros.
7- Não beber cerveja, vinho ou uísque.
8- Não viajar em carruagem ou automóvel com qualquer homem, exceto seu irmão ou seu pai.

É evidente na formalidade do contrato a objetificação da mulher, a submissão à figura masculina. E há quem diga que esse servilismo imposto às professoras é algo do passado. Mais ou menos! Tudo bem que em termos de contrato para professoras se avançou bastante pois o serviço público, pela sua natureza, incorpora direitos humanos primeiro do que a iniciativa privada. Porém, a professora que ingere bebida alcoólica, fuma cigarros, vai para festas de madrugada ou anda na companhia de homens que não são seus familiares é vista por muitas colegas de profissão como uma depravada, pecadora, sem modos. Ao que tudo indica, sobrou de direito apenas tomar um sorvete no centro da cidade.

Vamos ver se as mulheres estão de fato livres?
Em 2021 a 38ª DP prendeu um homem em Vicente Pires (DF) que agrediu a companheira após a mesma arrumar as malas para sair de casa. Este criminoso se nomeou o presidente do Conselho de Delegados. Em 2022, em Querência (MT), um homem matou a facadas a mulher que era atendente num bar e não obedeceu quando ele pediu para ser atendido antes de outros clientes. Vejam bem: a atendente não bebeu cerveja e tampouco andou com outros homens em automóvel, o que torna o crime algo bárbaro para o pior dos Malafaias que sempre arruma um jeito de justificar feminicídios. Em 2019, em Sobradinho (DF), um homem de 54 anos esfaqueou a mulher, de 63 anos, porque “ela chegou tarde em casa”. Também em 2019, em Cascavel (PR), um homem perseguiu a mulher que havia pegado carona com um amigo para ir ao salão de beleza, chegou ao local e disparou contra a companheira, mas a arma falhou.

Enfim, o contrato de professoras de São Paulo de 1923 continua valendo, infelizmente não só para professoras. Mais do que as regras de conduta, continuam a valer a violência, às vezes fatal, pela qual passam as mulheres que resolvem romper suas correntes. Nesse 8 de março, ao invés de flores e parabéns, dê respeito.

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Vote em mim!

Fonte: Spirit Fanfics

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 08/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/08/jornal-conversa-informal-de-agosto-2022.html>. Acesso em: 22/08/2022.

Atenção: espaço destinado à propaganda político bairrista.

Sou o Seu Vicente, o seu candidato a deputado distrital. Sou um candidato bairrista, aquele que pede o seu voto por morar onde você mora, ou seja, proposta mesmo que é bom deixo pra depois. Se sou do seu bairro[1] então é claro que serei bom deputado para quem mora “aqui” não é mesmo?

Veja bem, temos menos cadeiras para deputado do que o número de bairros no Distrito Federal. Isso significa que teremos bairros que não terão representantes eleitos na CLDF (Câmara Legislativa do Distrito Federal). Outra: há bairros mais populosos que podem até eleger mais de um representante! Logo, precisamos concentrar nossos esforços para que eleger quem seja “daqui”. Você vai deixar seu bairro sem representatividade?

Se eleito, prometo defender nosso bairro, trazer recursos para nosso bairro e começar todos os meus discursos falando o nome de nosso bairro. Eu já falei que o bairro é nosso? Se não, falo agora: o bairro é nosso! E se o bairro é nosso devemos valorizar o vizinho que se candidatou porque é claro que um “candidato copa do mundo”, aquele que aparece de 4 em 4 anos, vai nos defender dos candidatos de outros bairros. O orçamento é um pra todo mundo e não adianta puxar o cobertor pra cabeça e descobrir os pés.

Quando uma região que tem população com nível de renda menor do que um salário mínimo precisar de uma escola, vou pressionar o governador para usar o recurso e construir uma rotatória com rosas do campo na entrada de nosso bairro. Quando determinada localidade com grande número de idosos precisar de hospital, movimentarei minha base de cristãos para dizer que o recurso seria melhor empregado se fizessem um museu da bíblia em nosso bairro. Quando um deputado de outro bairro discursar que tal endereço precisa de um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) devido ao grande número de pessoas que recebe benefícios socioassistenciais, farei um protesto com empresários exigindo Refis (Programa de Recuperação Fiscal) da conta de água. E se denunciarem nossos queridos empresários por trabalho escravo, direi que geram emprego e renda para nossos queridos moradores.

Quer um emprego para a sua esposa? Não conseguiu vaga na creche para o caçula? Quer tirar aquela multa por estacionamento irregular? O alvará do seu galpão ainda não foi avaliado pela administração regional? Então pense diferente: vote em Seu Vicente.

As consequências do bairrismo são mais diretas do que a tentativa de comprar vacinas da Covaxin com sobrepreço de um dólar: aumento da desigualdade social e com ela o acirramento de conflitos na luta pela sobrevivência, seja de quem precisa de remédio ou de pão. Mas nada disso importa porque em nosso bairro “as grades do condomínio são pra trazer proteção”. Se nossos filhos morrerem na esquina sendo assaltados por adolescentes da mesma idade, o discurso de “morte aos marginais” está na ponta da língua dos homens de bem, esse grupo que insiste em me (re)eleger.

Eu não prometo, eu faço. E você me conhece de outros carnavais e de outras eleições. Você me vê na feira aos domingos tomando um caldo de mocotó ou ao final de dias úteis na fila do pão. Já tive nomes diferentes, mas o apelo bairrista é sempre o mesmo. O meu jargão “vote alguém do nosso bairro” já foi dos militares, dos executivos da segurança privada, dos empresários da merenda, dos neopentecostais, dos contratantes de ladrão de coroa de flores dos cemitérios, dos cartéis de postos de combustíveis, dos mandatários de empresas de transporte coletivo. Hoje eu sou o Seu Vicente furando a bolha de suas redes antissociais para pedir o seu voto. Sou Cristiano Palha e vocês, eleitores, são Rubião, como em Quincas Borba de Machado de Assis.

Não quer ler e vai esperar virar filme? Então veja a esquete Programa Político 2 do Porta dos Fundos clicando aqui.


[1] Antigamente no DF os bairros eram chamados de cidades-satélites por ficarem ao redor do Plano Piloto, a Brasília do plano original. Após 1990, a expressão cidade-satélite, considerada preconceituosa, deu lugar à regiões administrativas, o mesmo que bairro com administrador regional indicado pelo governador do DF e por esta razão sempre um puxa-saco do Palácio do Buriti.

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E se fosse a sua filha?

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 07/2022, p. 7. Disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/07/jornal-conversa-informal-de-julho-22.html>. Acesso em 10 jul. 2022.

Existem perguntas que não existem. Paradoxal? Contraditório? Explico: não existe perguntar se uma pessoa é a favor do aborto, embora esta seja uma pergunta frequente. Se você é mulher já me entendeu, mas como há homens que me leem vou desenhar: hipoteticamente, imagine que homens podem engravidar e mulheres não. Assim, você homem tem uma relação sexual e, de repente, sua menstruação atrasa e a barriga começa a crescer juntamente com enjoos, vertigens e sensações de cansaço. Rapidamente você faria o teste e descobriria que está grávido, mas suponha que não deseja criar a criança ou estar gestante. Resta, então, realizar o aborto, um procedimento invasivo e que mesmo no início da gravidez é perigoso, com consequências físicas e psicológicas até mesmo para a filha da madame que engravida no Brasil e aborta na Europa. Logo, quem pode OPTAR em passar por momento tão dolorido assim correndo o risco de morrer?

Nesse sentido, foi destaque nacional e inclusive no exterior o caso da juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, que agiu para que uma criança de 11 anos, vítima de estupro, não conseguisse abortar legalmente. As falas da juíza causam nojo, quando não ódio pelo tamanho da violência institucional. Falo isso principalmente porque trabalho diretamente com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e, portanto, com foco na proteção da vítima e não na responsabilização do abusador ou, pior, em me vestir de condutas morais que em nada agregam para fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes.

A juíza Zimmer fez perguntas como “o que você quer de aniversário? Escolher o nome da criança?”, “você acha que o pai da criança deixaria que ela fosse adotada” ou ainda “você pode esperar mais um pouquinho para que ela tenha mais chances de sobreviver ao parto?”. Todas estas intervenções constituem crime e vão de encontro à legislação brasileira. Não obstante, a juíza colocou a criança num abrigo, separando-a por cerca de um mês da genitora, para impedir, de forma legal, a realização do aborto pela mãe da criança grávida. Relembrando que gravidez de criança é sempre de risco, pois o corpo está em formação e as condições psicológicas de uma criança cuidar de outra sequer existem, daí a idade de consentimento para manter relações sexuais ser de 14 anos.

Dito isso, reflita: e se fosse a sua filha?

O moralismo de quem acha que a criança não deveria abortar, como o corrupto genocida que nos preside, lembra bastante a série O Conto da Aia (The Handmaid´s Tale, disponível na Globoplay, Paramount Plus e Amazon Prime Video). Na série, a quase totalidade das mulheres e homens no mundo tornam-se inférteis. Assim, o Estados Unidos sofre um golpe e começa a ser liderado por uma organização machista e militarizada, com papéis bem delimitados de cada pessoa na sociedade. As mulheres não podem ler e tampouco contestar seus maridos comandantes. No período fértil das aias, as esposas dos comandantes participam do ritual de estupro sob a desculpa de salvação da espécie, com leitura da bíblia como pano de fundo para a prática criminosa. Na hora do parto das aias, as esposas dos comandantes, sempre inférteis, gemem como se elas próprias sentissem as dores do parto. O seriado mostra o uso da religião não para congregação entre as pessoas, mas para a manipulação e perpetuação do patriarcado.

Se homem engravidasse, o aborto já estaria legalizado no Brasil. Sinto-me incomodado em falar de aborto por ser homem, uma vez que essa era para ser uma política pública decidida no voto somente por mulheres e após intensos debates. Se nas redes sociais as mulheres de sua família condenam o aborto, experimente fazer o seguinte experimento social no próximo natal:

1) Passe uma caixa de sapato com um pequeno buraco no meio.

2) Distribua uma cédula com duas respostas de marcação, sim ou não.

3) Ao invés de perguntar se elas são a favor do aborto, pergunte se já abortaram.

4) Garanta o anonimato das respostas.

Pronto, você já sabe que aborto é um assunto muito mais próximo de sua vida e da de familiares do que pensava. Resta saber se também condenará seus parentes da forma como faz com crianças de 11 anos vítimas de estupro e da violência institucional de juízas como Zimmer.

Clique aqui para ver o resumo da primeira temporada de The Handmaid´s Tale


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MEC: Ministério da Enrolação e Corrupção

Bolsonaro e o ex-ministro da educação, Milton Ribeiro. Fonte: Brasil de Fato.

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 06/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/06/jornal-conversa-informal-junho-2022.html>. Acesso em 18 jun. 2022.

Se tem algo que está parado no país desde 2019 é o MEC (Ministério da Educação). Não acredita? Eis a prova: entre em www.mec.gov.br e veja quais resultados a pasta apresenta. Pode ser em qualquer área: alfabetização, educação indígena, quilombola, educação no(do) campo, ensino especial, intercâmbio universitário, formação de professores da educação básica ou superior, novos campi de universidades ou institutos federais, fomento à pesquisa, hospitais universitários, IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), transporte escolar, acessibilidade… a lista é grande! Nada, absolutamente nada funciona no MEC a não ser a briga de militares contra olavistas.

A agonia começou com o terraplanista Ricardo Vélez Rodriguez (01/01/2019 a 08/04/2019), que pediu para escolas enviarem vídeos de estudantes cantando o hino e foi empurrado ladeira abaixo pela caserna. Pode rir, a piada é essa! Só Gustavo Bebianno foi ministro por menos tempo que Vélez.

Em seguida veio Abraham Weintraub (09/04/2019 – 19/06/2020), famoso por fazer vídeos tentando imitar Chaplin e contingenciar verba das universidades. Tentou criar o Future-se, programa que lançou as universidades à própria sorte na captação de recursos para pesquisa. Graças à Deusa foi mais um projeto fracassado e Weintraub saiu fugido do país em avião da Força Aérea Brasileira para Miami e treme só de ouvir “Xandão do STF” no Whats App.

Em 20/06/2020 foi nomeado Carlos Decotelli – o Breve, que renunciou 5 dias depois sem ter tomado posse sob mentira de que teria estudado em Harvard. Vejam só, a julgar por Decotelli, é mais fácil ser ministro da educação do que estudar em Harvard. Bem, quase isso: Paulo Freire nunca foi ministro, mas lecionou em Harvard e recebeu o título de doutor honoris causa da instituição.

O mais duradouro foi Milton Ribeiro (16/07/2020 – 28/03/2022). Pastor presbiteriano e ex-reitor da Mackenzie, popularizou-se pelas falas desrespeitosas contra professores, estudantes com deficiência e homossexuais. Acreditava que a universidade era para poucos e que o fato de engenheiros dirigirem Uber não tem relação com a situação econômica do país. Com Ribeiro dezenas de servidores do INEP (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), pediram exoneração do cargo por causa dos autoritarismos. Foi rifado após a mídia ter denunciado esquema em que pastores da Assembleia de Deus pediam propina em barra de ouro para liberação de verba para municípios dos prefeitos amigos, tudo bem “republicano”, da época da República Velha. Barulho maior que esse só se ouviu no aeroporto de Brasília quando houve disparo acidental de sua bíblia, quer dizer, de sua arma.

Cumpre tabela dessa ópera-bufa o servidor de carreira Victor Godoy Veiga, que também estava com Milton Ribeiro em muitos dos encontros com pastores para a ouração da propina.

As ações intersetoriais entre pastas foram outra vergonha do MEC. No início de 2020, Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos – seja lá o que for um ministério da família – lançou um concurso de máscaras numa tentativa de evitar que se fechassem as escolas no período crítico de contaminação e óbitos. Perguntar não ofende: do que você se lembra mais na pandemia: do concurso de máscaras de Damares ou de Bolsonaro puxando a máscara de uma criança em seu colo, confiada assim a ele pelos pais?

O aumento do piso salarial nacional de professores em 33,24% (de R$ 2.886,24 para R$ 3.845,34) foi por pressão do Congresso Nacional. A depender do Palácio do Planalto, o acordo com prefeitos e governadores era um aumento de 7,5%, sendo que a totalidade do recurso não sai exclusivamente do caixa da União. O aumento custará 30 bilhões de reais ou duas vezes o orçamento secreto que permite a compra do Centrão.

Como de onde menos se espera é de onde não sai nada, a cartada final do governo é a aprovação do homeschooling, o ensino domiciliar. Se tem algo que a pandemia revelou foi o quanto alguns pais, felizmente a minoria, odeia os filhos. Se há pouco tempo atrás queriam educação em tempo integral sem se importar com o coronavírus, hoje querem ensinar em casa e, pasmem, sem que haja nenhum tipo de controle estatal, como as provas bimestrais. Socializar e aprender com as diferenças é um dos eixos de qualquer projeto educacional progressista, mas com o homeschooling a educação perde grande parte da característica de política pública para agradar o voto conservador.

Enfim, há três anos e meio que o MEC está parado ou observando passivamente o crime dos vendilhões do templo na antessala do chefe do Turismo. Quando voltaremos a ter um Ministério da Educação?

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Você viu?

Fonte da imagem: Freepik

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 05/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/search?updated-max=2022-05-17T07:08:00-07:00&max-results=3&start=3&by-date=false>. Acesso em 18 jun. 2022.

Há algumas hipóteses para você ler esse texto agora. A primeira é a de que já acompanha o jornal Conversa Informal e, particularmente, minha coluna, ou seja, independente de qual seja o tema do texto você iria ler por afinidade comigo – o que não significa concordância. A segunda hipótese é a de que não me conhece e o título lhe chamou a atenção. “Você viu?” é uma pergunta instigante pois, incompleta, convida à leitura pela curiosidade. “Vi o quê?” – pensa o(a) leitor(a)! Assim, começa a ler o parágrafo e em poucas linhas sente incômodo por ainda não saber o tema do texto. Calma, continue aqui. O tema desse mês é cultura imagética, mas se eu tivesse colocado como título poderia ser que você não tivesse chegado ao final do primeiro parágrafo – supondo que esteja dentro da segunda hipótese apresentada.

Imagético é tudo o que se exprime por imagens. Nunca foi tão fácil a substituição da escrita por imagens: emoticons, figurinhas (stickers), memes, vídeos. Experimente fundamentar uma opinião em míseras 7 linhas e não tardarão a aparecer preguiçosos intelectuais com frases do tipo “vou esperar virar filme pra ver” ou então “nossa, que textão, resume aí”. Não tenho dados para falar de forma científica, mas acredito que mesmo os acadêmicos se renderam às redes sociais para expandir o que pensam. Dessa forma, os artigos cada vez mais abandonados em bases indexadas que se assemelham à cemitérios com letras e números, vez ou outra uma raiz quadrada, brigam por um lugar ao sol. Em prosa: as aulas dos doutores agora começam com “curta, compartilhe e se inscreva no canal”. O erudito, assim como o papa, é pop.

A princípio esse não é um problema. Se tem algo que a pandemia trouxe foi a multiplicação das lives mais do que a de pastores saqueando verba no Ministério da Educação. Talvez o anúncio da colisão de um meteoro com a Terra não causasse crise de ansiedade tão grande quanto alguém lhe inquirir “como assim você não viu a live da Marília Mendonça” ou “você tem que assistir todos os vídeos do Tempero Drag pra entender violência de gênero”. Seja para se divertir ou para obter informação – que não é o mesmo que conhecimento –, a concentração desses e de outros serviços também foi capturada pela cultura imagética, particularmente em forma de vídeo. Não vai demorar para os jornais lançarem seus editoriais em podcasts.

A questão é que não podemos, enquanto sociedade, perder a eficiência da leitura, sob pena de termos veículos de informação como jornais comunitários como esse sendo totalmente transformados em quadrinhos e memes para se adaptar ao nível de compreensão do(a) leitor(a). A leitura em profundidade, com atenção, movimenta processos cognitivos (cerebrais) diferentes de quando vemos um vídeo, que é uma atividade passiva e que aparentemente iguala o pós-doutor e o analfabeto como tradutores em igualdade do conteúdo consumido.

E qual seria a solução? Acabar com a cultura imagética? Obviamente que não. Primeiro porque seria tarefa impossível e segundo porque ela própria tem um papel importante na contemporaneidade, na democratização do acesso ao conhecimento, ainda que no mesmo pacote venham as fake news do tiozão como mamadeira em formato de pênis e outras pérolas. Logo, a ideia é equilíbrio, valorizando o ato da leitura de livros tanto quanto a de visualização de lives. Uma aula de biologia sobre reprodução humana fica muito mais interessante em vídeo do que em uma imagem parada num livro didático. De outro lado, a dúvida se Capitu traiu Bentinho em Dom Casmurro (Machado de Assis) só pode frequentar a imaginação de quem mergulha na leitura da obra e jamais de quem a vê numa novela.

Portanto, muitos profissionais têm mostrado seu trabalho nas redes sociais ou sites, o que funciona mais do que um cartão de papelão com telefone e e-mail. Dessa forma, ao invés de passar somente o contato de um médico, passa-se o seu perfil no Instagram e lá aparecem, em vídeos ou infográficos, dicas sobre saúde. Como se vê, a cultura imagética não é uma inimiga da sociedade se for usada de forma correta, senão sua aliada.

A propósito, se for para dar uma dica de canal no Youtube, assistam Tempero Drag. É revolucionário, didático e a apresentadora, Rita Von Hunty, esbanja carisma e conhecimento. E para quem quiser ler, indico o livro “Economia do Desejo: a farsa da tese neoliberal”, de Eduardo Moreira (editora Civilização Brasileira).

Boa leitura, seja de imagem ou códigos escritos.

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O racismo de Arthur do Val

Arthur do Val e Renan do Santos, do MBL, em viagem à Ucrânia. Imagem: Metrópoles, 14/03/2022.

Artigo de opinião publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 04/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/04/jornal-conversa-informal-de-abril-2022.html>. Acesso em 18 jun. 2022.

O início do conflito na Ucrânia revelou o horror de toda guerra: mortes, estupros, aumento do número de órfãos, inflação, miséria, refugiados. A disputa imperialista entre OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e Rússia parecia não ter como piorar, mas sempre há alguém disposto a quebrar paradigmas e dizer “yes, we can” (sim, nós podemos). Dessa vez capricharam na barbárie. O representante da vergonha foi Arthur do Val, também conhecido por “Mamãe Falei”, deputado estadual por São Paulo e membro do MBL (Movimento Brasil Livre ou Meritocracia Bandida Liberalóide, em tradução também livre).

Usando do pretexto de ir à Ucrânia arrecadar dinheiro para ajudar refugiados, Arthur enviou um áudio via Whats App para um grupo de amigos. A mensagem continha todo o tipo de misoginia, preconceito de classe e, o que não foi falado até o momento: racismo!

Numa das frases, Arthur disse que as ucranianas são fáceis porque são pobres. Ora, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil é 0,765, ficando na 84ª posição mundial. Por outro lado, o IDH da Ucrânia é 0,779 e está 10 posições à frente de nosso país na escala global. Como podemos ver, a Ucrânia não é tão pobre assim. Se Arthur do Val enxergou pobreza nas ucranianas talvez seja porque, sei lá, elas estavam fugindo de uma guerra! Vamos além: o que não falta em São Paulo são mulheres pobres. Então por que o deputado foi fazer turismo sexual no leste europeu?

Falando em turismo sexual, numa das mensagens Arthur falou que o companheiro de jornada para a Ucrânia, Renan Santos, também do MBL, periodicamente faz uma espécie de “Tour de Blonde”, ou seja, uma viagem pelo mundo para ficar com mulheres loiras. Atenção: “Tour de Blonde” (loira) e não “Tour de Black” (preta). Se você pesquisar “MBL” combinado com “África” no Google a única coisa que vai achar é uma crítica do “movimento” a Nelson Mandela, chamando-o de terrorista. O MBL nunca passou nem de avião pela África, que compõe uma das matrizes de formação do povo brasileiro, mas enxergou na Ucrânia, coincidentemente com mulheres brancas refugiadas, um local para fazer sua ajuda humanitária misturada ao desencargo de consciência burguês. E mais: nos áudios, Arthur disse que um dia voltaria para a região com o intuito de fazer o “Tour de Blonde”.

Logo, importa dizer que o que despertou – e desperta – a lascívia de Arthur foi o fato das ucranianas serem brancas, loiras e de olhos claros. Se em São Paulo as mulheres brancas ou negras, ricas ou pobres conhecem Arthur o suficiente para não lhe falar sequer as horas, na Ucrânia o criminoso conseguiu conversar por mais de um minuto com seu objeto de desejo, ainda que interrompido por tiro, porrada e bomba. É óbvio que o deputado é misógino, que viajou com interesse distinto daquele anunciado nos canais do MBL, que houve evasão de divisas com transferência de dinheiro para a Eslováquia, mas há de se apontar também o componente racista envolvido na questão.

O mundo inteiro olha para a Ucrânia e sente pena, mas Arthur sente tesão. Incapaz de se sensibilizar com a situação das refugiadas, entregando filhos a desconhecidos para que sobrevivam ao conflito, talvez a mente empreendedora de Arthur visse na situação que pode gerar uma guerra mundial a possibilidade de criar uma start up para explorar sexualmente as refugiadas, quem sabe uma produtora de conteúdo pornográfico chamada de “Ucranianinhas” ou algo asqueroso típico da quadrilha do MBL. Na África há vários países com IDH menores que o do Brasil e com mulheres mais pobres do que as ucranianas. Porém, nenhuma delas despertou a libido de Arthur. No interior do Amazonas ou de Goiás, Mamãe Falei não é mais do que uma marchinha de carnaval, mas Arthur nunca cogitou ir ao sertão da Bahia numa fila de 200 pessoas para pegar água no caminhão pipa e chamar as mulheres de deusas. Se a mão do mercado é invisível, o racismo de Arthur é explícito.

Arthur e o MBL são representantes da não-política, do esgoto aberto com parte das manifestações de 2013 e que se consumou no golpe de 2016 em Dilma Roussef. Resta à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) cassar o mandato do deputado e consequentemente seus direitos políticos por 8 anos. Já começou mal por não ter escolhido uma mulher para a relatoria do caso. Arthur tentará defender o mandato com unhas e dentes. O episódio pode ser a pá de cal no túmulo do MBL. Portanto, que o turismo sexual racista de Arhur não tenha o carimbo da Alesp.

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A mamata real da família virtual portuguesa

Pintura oficial de Dom Pedro II – Wikimedia Commons. Fonte: Aventuras na História (UOL).

Artigo de opinião publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 03/2022. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/03/jornal-conversa-informal-de-marco-2022.html>. Acesso em 17 mar. 2022.

Passados 200 anos do grito “independência ou morte” às margens do Riacho do Ipiranga, um mar de lama – e também de mortes – cobre, mais uma vez, a cidade de Petrópolis na região serrana do Rio de Janeiro. O município é conhecido como Cidade Imperial por ter sido um dos locais preferidos de descanso do imperador D. Pedro II. Contudo, Petrópolis também é lembrada pelos sucessivos deslizamentos de terra que ocorrem no período chuvoso. Sempre quando isso ocorre volta à cena o debate sobre a “taxa do príncipe”, ou “taxa do imperador”, ou “taxa dos herdeiros do imperador” ou ainda enfiteuse. Vamos elucidar o que significa esse termo e outros.

Enfiteuse: instituto do direito civil que permite ao proprietário de terras repassá-la à um terceiro (enfiteuta) para uso direto do imóvel (venda, aluguel e hereditariedade). A enfiteuse é executada através da cobrança do foro e do laudêmio.

Foro: aluguel pago anualmente pelo enfiteuta.

Laudêmio: taxa de 2,5% paga toda vez que há transferência da titularidade de enfiteuta.

Pois bem, é meia verdade – e, portanto, meia mentira – que a família real recebe o foro e laudêmio por serem a família real. No século XIX algum membro da família real comprou terras em que hoje se localiza Petrópolis. Com a instituição da República em 1889 a família real foi “indenizada” por meio da enfiteuse. A justificativa para aplicação da enfiteuse, independente de quem a receba, é a de que são terras de difíceis vendas por sua grande extensão ou acesso e que seriam melhor administradas com essa cobrança.

Ora, tentar dar um verniz legal à essa apropriação da família real, igualando-a à um cidadão qualquer que tenha tido suas terras “tomadas” pela República, é algo no mínimo ignorante, senão canalha. A Casa dos Orleans e Bragança fechou os olhos para o tráfico negreiro por quase 4 séculos. D. João VI, antes de retornar à Portugal após Napoleão Bonaparte não ser mais um perigo real, raspou os cofres do Banco do Brasil, recém-criado por ele próprio – com o nosso ouro. A derrama, o quinto e todo metal precioso que existiam nas terras do Novo Mundo e foram usados em igrejas e outros monumentos luxuosos da Europa passaram, grande parte, por Portugal. Os 2 milhões de libras esterlinas pagos à Portugal pelo reconhecimento da independência brasileira, ainda sob o julgo de um imperador português (D. Pedro I) é mais um exemplo da tragicomédia que foi nosso processo de desvinculação da metrópole. Se tem algo que os tataranetos de D. Pedro II não merecem é enfiteuse ou qualquer tipo de reparação por “suas terras”.

Fazendo uma analogia simples, é como se um ladrão tomasse sua casa e roubasse seu dinheiro, passasse 400 anos nela através de seus herdeiros e quando a propriedade fosse reivindicada pelo povo por meio do Estado, os descendentes do invasor reivindicassem direitos. Resumindo: descendentes de colonizadores contra descendentes de colonizados. Sim, deve-se comparar as monarquias da Idade Moderna, absolutistas ou não, constitucionais ou não, à um grupo de invasores. E para quem acha que é legítimo que uma coroa europeia reivindique direito de posse adquiridos antes de 1889, veja o que eles fizeram no processo de neocolonização do século XX na África.

Assim como a África, a América Latina sofre até hoje as consequências de ter sido colônia de exploração do capitalismo europeu. No caso do Brasil, o racismo estrutural, o modelo agroexportador, a proibição de instalação de indústrias, a eugenia promovida com a vinda de imigrantes para a região sul do país, o extermínio dos povos originários e sua cultura, tudo isso é herança que a família real nos deixou. Mas não foi o bastante: acham-se credores e não devedores do Estado brasileiro!

A família real portuguesa sempre quis colocar banca na política brasileira, chegando a patrocinar uma forte campanha pela adoção da monarquia a partir do plebiscito de 1993 no Brasil. Perderam de lavada! Porém, é só aqui que eles têm essa pompa. Em Portugal, a figura do rei ficou para os livros de história e dizer-se descendente de D. Pedro não rende nem mesmo uma selfie em frente à um castelo. Mais cobiçadas são as armaduras de cavaleiros medievais ou o Cristiano Ronaldo. Somente na mentalidade vira-lata e colonialista de alguns brasileiros monarquistas, que inclusive votam em monarquistas para o parlamento de uma república federativa, encontramos terreno fértil para legitimar pagamentos como o foro ou o laudêmio.

Pobre Petrópolis. Rica família virtual portuguesa.

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Já tomou sua vacina?

Charge: Blog do AFTM

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 02/2022, disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/02/jornal-conversa-informal-de-fevereiro.html>. Acesso em 20 fev. 2022.

Há 10 anos essa pergunta não faria o menor sentido ou, na pior das hipóteses, não teria o sentido que tem na atualidade. Falo do ano 2022 d.C., caso esse texto lhe chegue em algum momento futuro do século XXI e pareça uma distopia do próximo milênio – se o aquecimento global não nos destruir antes, ainda neste século! É duro de admitir, mas pouco mais de 10 anos do crescimento do pensamento conservador no Brasil foi o suficiente para acabar semanticamente com ditados populares como “eu me governo, sou maior e vacinado”. Quem se arrisca a dizer essa frase pode perceber o receptor ouvindo algo do tipo “sou maior e comunista”. Tristes tempos.

A pergunta do título desse texto tinha vários significantes de sentido claro. Vejamos alguns:

  1. Ao falar “já tomou” não se abre a possibilidade do “nem vou tomar”, mas apenas “já tomei” ou “não tomei porque faltou”. O “já” é um reforço que antecede, caso sua resposta seja negativa, a pergunta “não tomou ainda por quê?”. O natural era duvidar de quem não tomou a vacina e não o contrário.
  2. A utilização do pronome possessivo “sua” dá a ideia de posse. As pessoas falavam “fui tomar minha vacina” e se orgulhavam dela. Os governos não a hesitavam em comprá-las. E quando falo em governos, cito aqui desde o período da República do Café com Leite até 2018, passando inclusive pelo governo militar de 1964 a 1985. Hoje a vacina é da China, dos EUA, da Índia… onde foi parar a NOSSA vacina?
  3. Vacina. Leia pausadamente: va-ci-na. Vacina era algo absolutamente comum na cultura brasileira. Todo mundo com mais de 20 anos (leia novamente, 20 anos, sim, VINTE!) tem uma marca de vacinação no braço e mais uma dezena delas na caderneta de vacinação. De onde tiraram um “virar jacaré” nessa história? Por que as pessoas que desconfiam do Butantan e da Fiocruz não falam nada do ano de 2021 em que o Brasil bateu o recorde de liberação de defensivos agrícolas (leia-se agrotóxicos)?

O que temos de certo até o momento é que em abril de 2021 tivemos 82.266 mortes por Covid no país, média de 2.742 por dia, ao passo que em novembro do mesmo ano a queda no número de óbitos foi de mais de 93%. Os números não são meus, mas do próprio Ministério da Saúde – e olha que há tempos aquilo ali é um bunker de negacionistas, com exceção da maioria dos servidores de carreira. O número de mortes diminuiu ao mesmo tempo em que se aumentou o retorno das atividades presenciais, com abertura de comércio, eventos esportivos e casas de festas.

O que contribuiu para a diminuição das mortes?

Se você acha que a diminuição das mortes é consequência da imunização de rebanho, o que nem o governo ousou dizer, saiba que as internações e mortes voltaram a aumentar com a variante Ômicron. Outro dado: 80% das internações é de quem não está com o esquema vacinal completo.

Chegada a vez das crianças a politização da vacina voltou com mais força. É verdade que o número de crianças que morreu por Covid é pequeno. Contudo, esse número existe e ele é maior se pensarmos no quantitativo de menores de 11 anos com sequelas da doença.

Também se diz que a vacina para Covid foi feita em pouco tempo. Ora, a vacina para H1N1 também não demorou a ser inventada em 2009. Na época ninguém questionava sua eficácia, eficiência ou laboratório que fabricava. Ao invés de brigar com instituições científicas, foram feitas parcerias com laboratórios, ampliado o tempo de atendimento em UBS para vacinação e compra em larga escala do maior número de imunizantes possível.

Outra coisa: desde 2009 todo ano tomamos reforço da vacina contra H1N1. Ninguém questiona os reforços – ou ao menos não questionava! O problema atual nunca foi de confiança em vacina e sim de ações negacionistas do governo que contaminaram parte da população e fizeram doenças que já estavam erradicadas, como o sarampo, voltarem por falta de vacinação.

Dessa forma, tudo o que os responsáveis precisam é de uma orientação clara e uníssona do governo, jamais que alimentem desconfiança em imunizantes. Em resumo: é mais fácil morrer, ter sequelas e mesmo transmitir Covid sem a vacina do que imunizado. Por fim, tenho um conselho se você é contra a vacina porque acha que muda o DNA: aproveita essa chance com todas as forças! Você e o mundo merecem.

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Machismo institucional no socioeducativo do DF

Armandinho — Tirinha original:
Charge: Armandinho

Quase 2 anos de filmagens com mais de 800 vídeos e 500 fotos de servidoras agentes, especialistas e sabe-se lá mais quem que utilizava um dos banheiros femininos da Unidade de Internação de São Sebastião, pertencente ao Sistema Socioeducativo do Distrito Federal. Esses foram os dados levantados preliminarmente pelo portal R7 Brasília sobre o caso do agente socioeducativo Rafael Osvaldo de Carvalho Arantes que instalou uma câmera escondida para filmar mulheres no recinto. Ainda segundo a reportagem, Rafael Arantes teria iniciado as gravações em maio de 2020.

Uma busca rápida no último processo de remanejamento interno da Sejus (Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal) mostra que Arantes começou a trabalhar como agente socioeducativo em 09/12/2019. Isso significa que Arantes arrumou uma forma de rechear sua primeira avaliação de estágio probatório com um PAD em que é acusado de filmar colegas de trabalho mulheres em momentos íntimos e manter, por quase dois anos, a prática criminosa. A lascívia de achar que jamais seria descoberto foi tanta que Arantes permaneceu com a mesma tática sem sequer cogitar que algum dia seria pego.

As informações que circulam nesse 04/02/2022 nos grupos de Whats App dos especialistas socioeducativos e dos próprios agentes são de embrulhar o estômago da frieza machista de Arantes, mas revelam mais que isso. É sabido que o banheiro não fechava a porta corretamente e, mais que isso, volta e meia era utilizado por homens para “lavar as mãos”. Não precisa dizer que as servidoras não lavavam as mãos e tampouco instalaram câmeras no banheiro masculino. Será que o fato de homens frequentarem o banheiro de mulheres é algo comum em outras unidades? Deu até saudade da turma do Escola Sem Partido falando de ideologia de gênero.

Numa sociedade patriarcal que (redundância) privilegia os homens em inúmeras situações, Arantes não se contentou. Talvez pense Arantes que as mulheres são suas, que aqueles corpos lhes pertencem e, como tal, nada há de problemático em filmá-las da forma mais covarde possível. O sujeito era tão canalha que se oferecia para ficar no posto das colegas para que elas tomassem banho, conforme apurou o Metrópoles. Ocorre que Arantes não era alguém que estava de passagem pelo prédio, pediu pra usar o banheiro e instalou a câmera escondida. Arantes é um agente de Estado e seu ato é uma violência institucional, tendo que ser respondida não de forma individualizada e sim pelo Governo do Distrito Federal. A única ação do GDF até momento foi a publicação da Portaria nº 136 de 03/02/2022, publicada na página 43 do DODF nº 25 de 04/02/2022 designando Comissão de Processo Disciplinar para apurar os fatos (Processo SEI nº 00400-00007316/2022-40).

Da vista do ponto do direito administrativo o governo agiu certo, mas ainda falta a resposta política para o ato de machismo institucional. Erick Filippelli, chefe da pasta da Secretaria da Mulher, publicou em seu instagram (@erickafilippelli_) às 14h00 de hoje que “empoderamento é ter poder de escolha”, sem mencionar nada do acontecido. Pois bem secretária, as servidoras do socioeducativo não tiveram muito poder de escolha ao serem filmadas por quase 2 anos por um servidor. Marcela Passamani, chefe da Secretaria de Justiça e Cidadania, a qual está vinculado o socioeducativo do DF, também não se pronunciou*. O site do jornal Metrópoles cita uma resposta da Sejus, mas que até o momento (16h22) não é pública e deve ter sido dirigida somente ao veículo de comunicação.

Por parte das entidades representativas, o Sindsse (Sindicato dos Servidores do Socioeducativo), com agenda sempre lotada mas que no natal, com o devido “espírito cristão”, posta mensagem de boas festas com árvore de natal feita de armas de fogo, não falou uma vírgula em seu site ou redes sociais. Sororidade mesmo somente por parte da AESS (Associação dos Especialistas do Socioeducativo) que fez uma nota chamando a atenção do caso, marcando posição contra o machismo e se solidarizando com as servidoras diante da atitude bárbara pela qual passaram.

Parabéns AESS! Bola fora do Sindsse, Sejus e Semulher.

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NOTA DE SOLIDARIEDADE ÀS AGENTES FEMININAS DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO DF

A Associação de Especialistas Socioeducativos – AESS DF, vem a público manifestar sua solidariedade às colegas agentes socioeducativos que mais uma vez sofrem com a cultura da violência contra a mulher e o machismo no ambiente de trabalho.
Repudiamos a atitude criminosa do servidor que instalou câmera em banheiro de uso feminino em uma das Unidades de Internação do Sistema Socioeducativo. É necessária a devida apuração do caso, punição ao violador e reparação às mulheres agredidas.
Nós mulheres, que também somos a maioria no grupo de especialistas socioeducativos, vivemos cotidianamente práticas violentas, agressivas, machistas e preconceituosas em nosso ambiente de trabalho. Temos nossas competências e profissionalismos questionados e agredidos por nossa condição de gênero e isso precisa parar. As mulheres trabalhadoras do sistema socioeducativo merecem respeito e devem ter garantida sua integridade física e psicológica nos espaços laborais.
Violar a intimidade de uma mulher e ainda compartilhar imagens e vídeos de seu corpo pelas redes sociais é uma agressão! Exigimos a punição deste agressor e uma política organizacional que se comprometa com o combate à violência contra mulher, criando e fortalecendo mecanismos, instrumentos e canais de comunicação institucionais que promovam a equidade de gênero e a segurança da mulher em seu ambiente de trabalho.
Agentes femininas do Sistema Socioeducativo do DF, vocês não estão sozinhas neste momento de dor e indignação! A AESS DF reitera sua sororidade a todas as mulheres da socioeducação e se disponibiliza a ajudar no que for preciso.
Atenciosamente,

Luana Regina Euzébia da Silva
Presidente da AESS-DF
(Gestão 2020-2022)

—————————————————————————————————————————–* Atualização Às 17h30 de 04/02/2022 – Segue ótima nota da Subsecretaria do Sistema Socioeducativo, vinculada à Sejus.

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